Pepita: “Sofri preconceito justamente por ser uma funkeira travesti carioca”
“A Priscila Nogueira é uma menina sonhadora, família, força e fé em um corpo só. A Pepita é resistência, orgulho e amor”: é assim que a funkeira se autodescreve em sua primeira entrevista para a Marie Claire. Nascida no Rio de Janeiro em 1982, ela compara sua vida com as fases de uma borboleta que nasce um lagarto, depois cria um casulo e, por fim, ganha asas coloridas para voar pelo mundo afora.
“Assim foi minha infância: a mistura de um menino gay com a essência feminina aflorada. Tenho como uma das minhas grandes referências minha mãe, que me deu meu primeiro peito [silicone] e um sutiã aos 18 anos e me ajudou a me tornar a mulher que eu sou hoje. Também contei com apoio do meu pai e dos meus três irmãos para me tornar esta mulher, especialmente em minha transição. Somos uma família que nos apoiamos e nos respeitamos muito”, conta.
A cantora carioca diz que sofreu e continua sendo vítima de preconceito por ser travesti. Pepita salienta que a fama não lhe blindou de passar por situações constrangedoras, mas ser famosa lhe deu mais visibilidade para expor esse tipo de constrangimento e incentivou outras pessoas a lutarem pelos seus direitos.
“No início da minha carreira, por exemplo, sofri muito preconceito, justamente por ser uma funkeira travesti carioca. Já passei situações preconceituosas em banheiro público, avião, infelizmente essa realidade existe para a mulher trans, mas nós vamos mudá-la. Em uma ocasião em que eu estava na rodoviária do Rio de Janeiro, precisei ir ao banheiro [feminino] e uma senhora que estava lá chamou o segurança para me retirar por eu ser travesti. Ela ignorou meu corpo feminino e achou que tinha mais direito de usar aquele espaço do que eu”, narra.
Ela ainda destaca que o segurança, que deveria coibir a atitude preconceituosa da senhora, endossou os atos desagradáveis dela, mandou a funkeira sair do toalete com direito a frases execráveis.
“Me disse que eu tinha que ter vergonha na cara e respeitar as pessoas, que era para usar o banheiro masculino. São situações difíceis, mas que nós transexuais temos que enfrentar de cabeça erguida, lutar pelos nossos direitos. Ser travesti é ser resistência e vamos cada vez mais ocupar nosso espaço. Não temos que ser aceitas ou inclusas, somos cidadãs comuns e merecemos respeito, assim como qualquer outro ser humano”, reforça.
A cantora garante que nunca foi vítima de violência física, mas verbal já perdeu as contas de quantas e destaca que as pessoas precisam entender travestis e transexuais são seres humanos que merecem respeito, igualdade e espaço na sociedade.
“Lutar pelos meus direitos é a melhor forma de combater a transfobia. É preciso se informar, colocar a boca no trombone, compartilhar o que viveu e procurar a lei para ajudar. As pessoas precisam entender que respeito vem acima de tudo, e que, graças a Deus, vivemos em uma sociedade diversa e que isso é lindo. Na situação que vivi na rodoviária do Rio de Janeiro, por exemplo, entrei na justiça e as pessoas que me coagiram vão responder pelos seus atos perante a um juiz. Esse é meu conselho para quem passa por uma situação deste tipo”, diz.
Transição e apoio familiar
Pepita se identificou como um menino gay até os 16 anos e, nesta idade, começou seu processo de hormonização sem a supervisão de um médico especialista no assunto. Por este motivo, o início foi algo assustador porque as injeções lhe causavam muita dor física e tudo deixava ainda pior porque existia o medo da mãe descobrir o que ela estava fazendo escondida.
“Eu já desconfiava que a minha mãe sabia porque algumas mudanças estavam acontecendo no meu corpo. Hoje continuo me hormonizando, mas com o auxílio médico. Antes eu fazia escondido e não aconselho ninguém a fazer isso. É um processo que precisa ser acompanhando por um profissional para que tudo aconteça da melhor forma, com segurança e priorizando a saúde”, recomenda.
Em entrevista dada a um veículo no começo da carreira, em 2016, a cantora disse que este processo de mudança do corpo “mexe muito com o psicológico e com o humor da gente, gera muitas dúvidas”. Ela explica que estes pensamentos pairavam em sua cabeça porque ainda não tinha 100% de certeza se estava no caminho certo ao se hormonizar sozinha.
“Hoje eu me acho linda assim, sou feliz assim e me olho no espelho me elogiando e me exaltando cada vez mais. Meu psicológico neste momento é normal e tenho crises de humor como todo mundo, quando estou com fome, sono ou escuto comentários desnecessários.”
Meio artístico
Dona do bordão “grandona pra caralho”, a cantora se sente orgulhosa pela carreira que tem construído na música e pelo espaço que conquistou na mídia, mas lembra que já sofreu preconceito dentro do próprio grupo LGBTQIA+.
“É muito difícil as pessoas ficaram felizes com a felicidade do próximo, mas muitas vezes não conhecem a nossa história a fundo, nem sabem o quanto a pessoa caminhou para chegar onde está”, comenta.
Pepita opina que existe uma importante mudança em crescimento mesmo com esta onda conservadora e preconceituosa que assola o país, mas ela acredita que todos precisam continuar lutando por esta transformação da sociedade.
“É assim que vejo o movimento LGBTQIA+ na música. Ganhamos nosso espaço porque estamos lutando por ele diariamente e seremos resistência. Precisamos de um país que respeite as diferenças, é simples, tudo está no respeito e nos direitos iguais para todos.”
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